quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

QUE NADA NOS DEFINA.
QUE NADA NOS SUJEITE.
QUE A LIBERDADE SEJA NOSSA PRÓPRIA SUBSTÂNCIA.

Simone de Beauvoir. 
Era uma vez!
Vivemos bem na pós-modernidade?

Perfil perfeito de heroína de romances de quinta categoria, piorado.
Até quando vou me iludir com minhas próprias expectativas?
Em que momento dessa vida fodida vou conseguir aplacar essas necessidades construídas?


E que porra de tempo é esse, que te oferece tudo, te condicionando ao nada?

Autodecepção.
Autoflagelo.

Autodepreciação.


Morando no topo do mundo
Isolado, distante, confortavelmente recluso
De onde surgiu tamanha precaução!
Morador de alta torre
Partilha com o silêncio a privação
Reparte com a solidão sua alegria iludida,

Sua falsa segurança. 

domingo, 5 de janeiro de 2014

"OS ATABAQUES RESSOAM COMO CLARINS DE GUERRA"

"(...) A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques, que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros nos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don'Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do Reformatório e do Orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando do elevador para não se entregar. Que vem do trem da Leste Brasileira, através do sertão, do grupo do Lampião, pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que vem dos quadros do Professor, onde meninos esfarrapados lutam pela exposição da Rua Chile. Que vem do Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: 'companheiros". Uma voz que convida para a festa da luta. Que é como um samba alegre de negro, como o ressoar dos atabaques nas macumbas. Voz que vem da lembrança de Dora, valente lutadora. Voz que chama Pedro Bala. Como a voz de Deus chamava Pirulito, a voz do ódio do Sem-Pernas, como a voz dos sertanejos chamava Volta Seca para o grupo de Lampião. Voz poderosa como nenhuma outra. Voz que atravessa a cidade e vem de todos os lados. Voz que traz com ela uma festa, que faz o inverno acabar lá fora e ser a primavera. A primavera da luta. Voz que chama Pedro Bala, que o leva para a luta. Voz que vem de todos os peitos esfomeados da cidade, de todos os peitos explorados da cidade. Voz que traz o bem maior do mundo, bem que é igual ao sol, mesmo maior que o sol: a liberdade. A cidade, no dia de primavera, é deslumbradoramente bela. Uma voz de mulher canta a canção de Bahia. Canção da beleza da Bahia. Cidade negra e velha, sinos de igreja, ruas e calçadas de pedra. Canção da Bahia que uma mulher canta. Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que traz a canção da Bahia, a canção da liberdade. Voz poderosa que o chama. Voz que toda a cidade pobre da Bahia, voz da liberdade. A revolução chama Pedro Bala."

"CAPITÃES DA AREIA"
JORGE AMADO

poesia de pureza.