sexta-feira, 25 de abril de 2014

Pierre Verger







Qualquer coisa que me tire deste estado de espera pelo que não sei.
Que me tire deste torpor esvaziado.
Quando e onde, parte deste universo que enseja delírios. 

"Os Sobreviventes" - Caio F. Abreu

"[...] Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha de centro em junco indiano que apoia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. [...]"


"[...] Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos  oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinquenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de clínica, lembra?" 

trechos de "Morangos Mofados", de Caio F. Abreu.  
Prelúdio:
"No entanto (até no-entanto dizia agora) estava ali e era assim que se movia. Era dentro disso que precisava mover-se sob o risco de. Não sobreviver, por exemplo - e queria? Enumerava frases como é-assim-que-as-coisas-são ou que-se-há-de-fazer-que-se-há-de-fazer ou apenas mas-afinal-que-importa. E a cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde doentio guardado no fundo escuro de alguma gaveta."


trecho de "Morangos Mofados", de Caio F. Abreu. 

sábado, 12 de abril de 2014

Os enganos escorrem e transbordam,
e ao oferecer sua face para a próxima
armadilha, não entende que a batalha
iniciou já perdida.
Não me culpe.
Carregado de desejos errados,
essa arma na qual se transformou
exerce suposta justiça, aniquila
o que semeou de bonito.
Não me culpe.
Cabe à tristeza recolher as boas
lembranças, cabe ao tempo apagar
feridas e decepções, e quando a música
findar os sonhos se desmancharão.
Não te culpo.

Trecho de “Onde Andará Dulce Veiga”, de Caio F. de Abreu

“ Lá em cima, o céu não era um tampa fechada sobre a terra, como quase sempre eu via, sepultado vivo. Ele era aberto e sem fim e cheio de mundos e indizível de qualquer outra forma que não fosse esta banal, porque não haveria palavras para ele, o Muito Maior que Tudo.
Galáxias, buracos negros, supernovas, anãs brancas, pulsares, quasares, constelações, asteroides, cometas, planetas, satélites, anéis, pontos de sombra e de luz. Minha cabeça girava, acompanhando o movimento determinante das estrelas sobre meus ombros que suportavam o mundo.
Tive medo de, por um segundo que fosse, continuar girando o corpo, olhando para cima, e de repente alguma coisa em mim, ou eu inteiro, saísse direto sem rumo nem volta em direção ao céu tão habitado que, qualquer ponto escuro que eu fixasse mais tempo, imediatamente se enchia também de estrelas.
Para não me perder, abri a boca e os olhos, me enchi de estrelas feito ele.”

sábado, 5 de abril de 2014

"O Tempo é um orixá tão poderoso que não existe cavalo capaz de suportar o peso dele. Por isso não encarna, só ronda."

trecho de "Onde andará Dulce Veiga", de Caio Fernando de Abreu. 
Imaculado desperdício doce
No chão caem pétalas de rosa
Escondidas no topo do mundo,
Mera inquietação
Toma formas e sussurra ao ouvido
Alguma beleza, quantas cores, toda a percepção. 

poesia de pureza.