sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"A Idade da Descrição" - Beauvoir

"Sempre olháramos longe. Seria necessário aprender a viver o dia-a-dia? Estávamos sentados lado a lado sob as estrelas, tocados pelo aroma do cipreste, nossas mãos se encontravam; o tempo havia parado um instante. Iria continuar a escorrer. E então? Sim ou não, poderia ainda trabalhar? Minha raiva contra Filipe esfumaria? A angústia de envelhecer me retomaria? Não olhar muito longe. Longe seriam os horrores da morte e dos adeuses. Seria dentadura, a ciática, as enfermidades, a esterilidade mental, a solidão em um mundo estranho que não compreenderíamos mais e que prosseguiria seu curso sem nós. Conseguiria não levantar os olhos para esses horizontes? Quando aprenderia a percebê-los sem pavor? Nós estamos juntos, é a nossa sorte. Nós nos auxiliaremos a viver nessa derradeira aventura da qual não retornaremos. Isso no-la tornará tolerável? Não sei. Esperemos. Não temos escolha."




parágrafo final da primeira história do livro "A Mulher Desiludida", de Simone de Beauvoir, intitulada "A Idade da Descrição". 

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poesia de pureza.