quarta-feira, 26 de novembro de 2014

OS DESLIMITES DAS PALAVRAS


Ando muito completo de vazios. Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas


MANOEL DE BARROS
Inocência animal exercida
Nessa tarde que abriga violetas
E éguas cobertas. Água esquiva.
Nitidez de sábado.
Chover nos braços de alguém!
E essa espera nunca intemrrompida
De ser levada, de ser arrastada
Com as mãos. Claros jardins!
Dia de ficar em casa
Dentro do corpo - como em seu estojo
Um instrumento.


MANOEL DE BARROS.
[fragmento de canções e poemas]
Gosto mesmo dos Grandes
Pequena, mesmo, só minha coragem!

O PROVEDOR

Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava pra quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.
Certas pombas tomavam ele por telhado e passavam
as tarde frequentando o seu ombro.
Falava coisas pouco sisudas: que fora escolhido para
ser uma árvore.
Lírios o meditavam.
Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal.
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo.

MANOEL DE BARROS

sábado, 15 de novembro de 2014


quem me dera eu
fosse o céu, fosse o mar
poderia alcançar infinitos
e fácil seria pra voltar!
Os meus sonhos devoram-me
a Alma
que entrega-se com deleite
às mordidinhas doces,
quase como afagos,
e satisfazem a Ânsia, da fome
de Vida.
Assim eu gosto!
"Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que me amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
Não vivo sozinha porque gosto
E sim porque aprendi a ser só..."
FLORBELA ESPANCA. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Em sintonia com o caos
Engendrando movimentos cármicos
Sínteses do desconhecido e sentido
Pulsando nas fibras, 
Escorrendo pelos sonhos.

Rodando no círculo perpétuo
Reunindo forças nos desejos
Buscando na existência as belezas
De ser o que se é, 
Para entender as perpétuas ausências. 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Grande Hotel Budapeste





Eu achei fantástico o novo filme do diretor Wes Anderson. Tenho pouco conhecimento a respeito de seu trabalho, e fiquei realmente interessada em assistir outros filmes deste diretor, considerado cult e moderrrrrno para o povinho que costuma dar palpites ou redigir sérias críticas sobre as produções cinematográficas, além das outras artes. O que vi hoje, numa sala de cinema lotada (para uma quarta-feira, a tarde, achei a lotação bem interessante), difere e muito das produções recentes... adorei as participações de vários atores famosos, adorei a história do filme, envolta num pseudo clima de mistério, adorei os diálogos e as referências (principalmente o Schiele, achei o máximo!!!!), adorei os cenários e a fotografia lindíssima, as cores do hotel são fantásticas, as caracterizações das personagens, as sacadas do humor, tão batidas, mas que foram de uma graça leve, suave, pra rir gostoso (eu costumo ser exagerada, e ri até minha barriga doer!). Bom mesmo é saber que não estamos perdidos no lamaçal das produções livro-filme, filme-livro com histórias de superação individual de viés autoajuda, de enredo fraco e superficial. Graças!


domingo, 29 de junho de 2014

hipocrisia, sacralizada
levada à condição máxima
de potência sacra
latente
para manutenções
a concorrência e concessão
dos pequenos poderes
urgente
para acariciar a doce 
face marcada da angústia
de todos nós 
embebidos, inebriados de eu
atolados, atormentados no outro
trocas beligerantes.

domingo, 22 de junho de 2014

Dalí, surrealismo.


Outras tantas memórias emergem, tantas e tantas outras estarão submersas... aos poucos provocarei suas revelações, lamentando imensamente o adormecer no crepúsculo de meu inconsciente de grande parte do que me fundamenta hoje... 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

De nós.

"As relações humanas são obtusas, são escorregadias e a todo momento vão ao chão, quebram-se em pedaços, cacos destas mentiras que fazem os dias pesados, as faces revestidas em máscaras, os humores tão variáveis, passíveis de pena, todos nós. Relações não são frágeis. São facilmente corrompidas, e frágeis somos os tantos que não conseguem viver da encenação, que experimentam a estranheza, que querem derrubar as cortinas e levar a conhecimento (de quem?) as criaturas bizarras que nos carregam, que operam nossas condutas sociais, os monstros do convívio social. Se antes foi parte de nossa construção de noções de civilidade (a grande proeza burguesa) e normatização obedecermos as regras do convívio, hoje estas nos transformaram, nossa evolução gerou em seu ventre uma involução, as máscaras e véus escondem as verdadeiras faces monstruosas do que somos nós, síntese de falsidade, do egoísmo, da inveja, da loucura, da luxúria, da ganância, e dos outros tantos pecados que conhecemos a fundo e repudiamos cerimoniosamente. As contradições que nos conduzem  são o melhor de nós, nossas supremas verdades condutoras e redentoras. De resto, sorrisos e lágrimas não proporcionam cadeira no paraíso, entre humanos, não ensejam caminhos."

sábado, 7 de junho de 2014

Egon Schiele


Vi seus pesares. Perdi a conta dos meus erros, e estes estão por aí a escancarar as fragilidades de construir-se e negar-se e buscar o desconhecido, o improvável, porque único, porque pudico, porque vazio. Um coração. Acordo sobressaltado, suando frio na noite que eu engoli, que vomitei em tentativas. O instante de lágrimas pastéis, descoloridas, encontra-se no fundo daquele baú que deixamos no último endereço, no último suspiro, agora distante, não, melhor, agora mergulhado em reticências. Não fale alto, não implore, não afronte, não, não, não abrace uma tola evidência, esta escorre na parede de tua eloquência, sustentada pelo orgulho, ferido, ferino, fétido. Um cadáver de direita, dores que recusa mas que estampam seu semblante deformado por vícios, pelas mentiras, por favor, vamos usar a máscara? Assim, posso desferir o golpe de misericórdia enquanto te abraço sorrindo, humilhando sua pretensa sabedoria. Ora, ora, aprendemos a enfrentar fantasmas? Pesadelos? Produtos? Desferiu o golpe, sorriso de citações e referências sem a pronúncia correta, eu só quero te ver lamentar e sussurrar: como poderia ter dado certo, se somos tão incrédulos, tão superficiais, tão absolutos de porra que nos constitui? 
Encerra-te catástrofe,
sublime profusão de contatos,
explosões, descuidados;
onde poderás vetar
a força que carregas
a dor que ameaça,
profundeza em cárcere,
na beleza que escorre
em cores perdidas de então
que apaga evidências, calores.
Fortuita tua loucura,
presa aos cabelos
exposta nos olhos.
Agora, chora.
Lamenta, a sobrevivência,
tira a consciência esmagadora,
cobiça a sorte da tragédia.
Nada te fará melhor que o
engano de persistir. 

sábado, 31 de maio de 2014

sábado, 17 de maio de 2014

esteja contente
nem todo o caos nos deixou
quando dizia palavras ao vento
quais as cores do seu manto
onde fora toda a sagacidade
viva se faz dama da pilhagem

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Pierre Verger







Qualquer coisa que me tire deste estado de espera pelo que não sei.
Que me tire deste torpor esvaziado.
Quando e onde, parte deste universo que enseja delírios. 

"Os Sobreviventes" - Caio F. Abreu

"[...] Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha de centro em junco indiano que apoia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. [...]"


"[...] Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos  oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinquenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de clínica, lembra?" 

trechos de "Morangos Mofados", de Caio F. Abreu.  
Prelúdio:
"No entanto (até no-entanto dizia agora) estava ali e era assim que se movia. Era dentro disso que precisava mover-se sob o risco de. Não sobreviver, por exemplo - e queria? Enumerava frases como é-assim-que-as-coisas-são ou que-se-há-de-fazer-que-se-há-de-fazer ou apenas mas-afinal-que-importa. E a cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde doentio guardado no fundo escuro de alguma gaveta."


trecho de "Morangos Mofados", de Caio F. Abreu. 

sábado, 12 de abril de 2014

Os enganos escorrem e transbordam,
e ao oferecer sua face para a próxima
armadilha, não entende que a batalha
iniciou já perdida.
Não me culpe.
Carregado de desejos errados,
essa arma na qual se transformou
exerce suposta justiça, aniquila
o que semeou de bonito.
Não me culpe.
Cabe à tristeza recolher as boas
lembranças, cabe ao tempo apagar
feridas e decepções, e quando a música
findar os sonhos se desmancharão.
Não te culpo.

Trecho de “Onde Andará Dulce Veiga”, de Caio F. de Abreu

“ Lá em cima, o céu não era um tampa fechada sobre a terra, como quase sempre eu via, sepultado vivo. Ele era aberto e sem fim e cheio de mundos e indizível de qualquer outra forma que não fosse esta banal, porque não haveria palavras para ele, o Muito Maior que Tudo.
Galáxias, buracos negros, supernovas, anãs brancas, pulsares, quasares, constelações, asteroides, cometas, planetas, satélites, anéis, pontos de sombra e de luz. Minha cabeça girava, acompanhando o movimento determinante das estrelas sobre meus ombros que suportavam o mundo.
Tive medo de, por um segundo que fosse, continuar girando o corpo, olhando para cima, e de repente alguma coisa em mim, ou eu inteiro, saísse direto sem rumo nem volta em direção ao céu tão habitado que, qualquer ponto escuro que eu fixasse mais tempo, imediatamente se enchia também de estrelas.
Para não me perder, abri a boca e os olhos, me enchi de estrelas feito ele.”

sábado, 5 de abril de 2014

"O Tempo é um orixá tão poderoso que não existe cavalo capaz de suportar o peso dele. Por isso não encarna, só ronda."

trecho de "Onde andará Dulce Veiga", de Caio Fernando de Abreu. 
Imaculado desperdício doce
No chão caem pétalas de rosa
Escondidas no topo do mundo,
Mera inquietação
Toma formas e sussurra ao ouvido
Alguma beleza, quantas cores, toda a percepção. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Hoje quero nada,
nem um gole da tua cerveja,
nem um trago desse cigarro.
Hoje é dia de contar o que não fiz,
os passos em vão que não dei,
as pedras que marcaram caminhos,
que caíram em minha cabeça, feito manga.
Ainda me acomete os desejos,
mas hoje não os detalharei.
Forjo o mundo, forja a máscara,
corja de vazios. Arrasta-te até o bar,
escuta-me, hoje eu só quero dançar. 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

QUE NADA NOS DEFINA.
QUE NADA NOS SUJEITE.
QUE A LIBERDADE SEJA NOSSA PRÓPRIA SUBSTÂNCIA.

Simone de Beauvoir. 
Era uma vez!
Vivemos bem na pós-modernidade?

Perfil perfeito de heroína de romances de quinta categoria, piorado.
Até quando vou me iludir com minhas próprias expectativas?
Em que momento dessa vida fodida vou conseguir aplacar essas necessidades construídas?


E que porra de tempo é esse, que te oferece tudo, te condicionando ao nada?

Autodecepção.
Autoflagelo.

Autodepreciação.


Morando no topo do mundo
Isolado, distante, confortavelmente recluso
De onde surgiu tamanha precaução!
Morador de alta torre
Partilha com o silêncio a privação
Reparte com a solidão sua alegria iludida,

Sua falsa segurança. 

domingo, 5 de janeiro de 2014

"OS ATABAQUES RESSOAM COMO CLARINS DE GUERRA"

"(...) A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques, que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros nos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don'Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do Reformatório e do Orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando do elevador para não se entregar. Que vem do trem da Leste Brasileira, através do sertão, do grupo do Lampião, pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que vem dos quadros do Professor, onde meninos esfarrapados lutam pela exposição da Rua Chile. Que vem do Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: 'companheiros". Uma voz que convida para a festa da luta. Que é como um samba alegre de negro, como o ressoar dos atabaques nas macumbas. Voz que vem da lembrança de Dora, valente lutadora. Voz que chama Pedro Bala. Como a voz de Deus chamava Pirulito, a voz do ódio do Sem-Pernas, como a voz dos sertanejos chamava Volta Seca para o grupo de Lampião. Voz poderosa como nenhuma outra. Voz que atravessa a cidade e vem de todos os lados. Voz que traz com ela uma festa, que faz o inverno acabar lá fora e ser a primavera. A primavera da luta. Voz que chama Pedro Bala, que o leva para a luta. Voz que vem de todos os peitos esfomeados da cidade, de todos os peitos explorados da cidade. Voz que traz o bem maior do mundo, bem que é igual ao sol, mesmo maior que o sol: a liberdade. A cidade, no dia de primavera, é deslumbradoramente bela. Uma voz de mulher canta a canção de Bahia. Canção da beleza da Bahia. Cidade negra e velha, sinos de igreja, ruas e calçadas de pedra. Canção da Bahia que uma mulher canta. Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que traz a canção da Bahia, a canção da liberdade. Voz poderosa que o chama. Voz que toda a cidade pobre da Bahia, voz da liberdade. A revolução chama Pedro Bala."

"CAPITÃES DA AREIA"
JORGE AMADO

poesia de pureza.