Meu desejo era escrever um conto. Mas, tola que sou, penso que um conto, para ser contado, necessita de leveza, de adoráveis e atrativas palavras, uma história suave, curta, talvez até um pouquinho feliz. Então penso no tempo em que vivemos, em todas as atrocidades que cometemos, que reproduzimos, que aprovamos ou que simplesmente fingimos não acontecer, penso na ignorância e nas violências que crescem assustadoramente, penso no vazio que carregamos em nossos corações e mentes, em nossos celulares cheios de fotos com poses. Que contar? Escrever talvez um conto macabro, uma reportagem de um jornal inexistente, revelando verdades, sendo imparcial e cruelmente real? Que desejos são esses que carregamos? O quão egocêntricos e hedonistas somos e seremos? Qual o resgate devemos empreender para construirmos contos que possibilitem mudanças, ou que reconheçam as necessidades de mudar? Sinto que o tempo passa, e carrega com ele a humanidade que tivemos. Engolidos pelos desejos do mercado, que nos dita as regras, as dores, os amores, o que devemos fazer, como pensar. Nos arrastamos em dias de semana exaustivamente trabalhados, e fins de semana porcamente aproveitados. Não nos reconhecemos no Outro, e somos alvos constantes de críticas e cobranças, parte de um jogo irracional e cruel de fazer sofrer, competir e denegrir. Meu conto se esvai em contos de terror de todos os dias, esparramados nos sofrimentos, mortes e perdas de quem nem sei, enclausurada na torre que desejei erguer para ser menos monstro, mais solitária.